Hugo Santarém
Membro do Secretariado do PS Alcanena
Foi numa radiosa e quente manhã de Abril, que saí de casa para participar de uma cerimónia, que dirão muitos, a mim não dizer respeito, por ser de uma geração que não viveu no antes e só conhece o depois.
Pude sair de casa sem temer as esquinas à espreita, pude saudar pessoas sem temer as suas duas caras e, facto para mim perfeitamente trivial, posso estar aqui do alto do palanque a dissertar sobre um qualquer assunto, frente a uma plateia que pode discordar completamente daquilo que digo, podendo argumentar com as suas opiniões, podendo inclusive fazer uma votação para decidir qual o ponto de vista mais correcto.
Tudo isto é, para mim e para a minha geração, perfeitamente normal, tendo a garantia que sairemos para nossas casas em paz e segurança.
Esta tranquilidade, foi um legado que nos deixaram e a maior prova que o 25 de Abril foi de facto o maior acontecimento do séc. XX português, porque nem sempre foi assim e vós que estais aqui com mais idade sabeis como ninguém.
Houve o tempo em que pelo simples facto de discutirmos cidadania, num espaço como este, ganharia de imediato uma viagem grátis para Peniche ou, se fosse um bocadinho chato no assunto, poderia mesmo ir parar ao Tarrafal, sem direito a recusar tamanha generosidade!
Houve o tempo em que o medo, a censura, a repressão, faziam parte da mentalidade de um povo, de onde só os mais corajosos se arriscariam a fazer aquilo que faço aqui hoje.
Houve o tempo em que o sistema político que prevalecia não era aquele que conheço e sob o qual sempre vivi, a democracia, havendo em Portugal, como disse o poeta Manuel Alegre, um “Pensamento Único”. Hoje existem no nosso país 10 milhões de pensamentos, 10 milhões de visões, 10 milhões de verdades!
Esta diversidade ideológica, devemo-la a uma coluna de militares que marchou à 33 anos de Santarém para Lisboa, em busca de algo que nunca haviam saboreado até então: A LIBERDADE!
Tocaria “E Depois do Adeus” nas emissoras associadas de Lisboa e Portugal não voltaria a ser o mesmo, nem Portugal nem o Mundo, que ganharia uma mão cheia de novas nações e um exemplo a admirar profundamente, exemplo de como a nossa revolução foi feita com cravos e não com sangue.
Bem, depois do adeus, o povo saiu à rua, “saiu à rua num dia assim”, como cantava Zeca Afonso, num dia assim como este que vivemos hoje, aplaudindo, cantando, gritando “O POVO UNIDO JAMAIS SERÁ VENCIDO”, “LIBERDADE LIBERDADE” ou “O POVO ESTÁ COM O M.F.A.”
Os objectivos dos capitães de Abril, que nos deram uma cabal lição de patriotismo, foram plenamente alcançados: a democracia, a descolonização e o desenvolvimento são hoje, inequivocamente, uma realidade!
Apesar de há uns tempos atrás terem tentado deixar cair o “R” da Revolução, para a transformar em Evolução, foi de um espírito revolucionário que se vestiu Portugal em 25 de Abril de 74. O Regime Autoritário foi derrubado pela força das armas e pela força de um povo e não pela evolução do que quer que fosse.
Essa evolução ficaria para depois, traduzida no desenvolvimento verificado nestes últimos 33 anos. A Democracia deu-nos um Portugal completamente transfigurado, um país moderno, evoluído e desenvolvido, aberto ao Mundo, respeitado, integrando diversas organizações internacionais, deixando cair definitivamente a política do “orgulhosamente sós”e dos votos contra das nações unidas.
Todos os dados estatísticos que se poderão estudar demonstram um país que passou do 3º mundo para uma nação que integra hoje, de pleno direito, uma potência económica mundial, a União Europeia.
Sim, é que o nosso país era, de facto, um país do 3º mundo: não tínhamos direito a liberdade de voto, grande parte da população não possuía bens básicos como electricidade ou água potável, a cultura era quase na totalidade proibida e a que era autorizada era censurada, não havia direito à greve ou a manifestações, os direitos dos trabalhadores eram inexistentes, não haviam infra-estruturas rodoviárias modernas, a tortura nas prisões era uma realidade, e, enfim, permitam-me esta por a achar insólita, onde era necessária uma autorização especial para possuir um isqueiro!
Jovens, como eu, em vez de se sentarem num banco de uma faculdade, eram enviados a milhares de quilómetros de casa para morrerem à força!
De um país precariamente instruído, onde apenas 25 mil tinham o privilégio de se sentar numa instituição de ensino superior, passámos para um país educado onde são já mais de 400 mil os estudantes universitários.
A minha geração não tem, efectivamente, a noção de como era viver antes do 25 de Abril. Felizmente vivemos num regime democrático, tido como dado adquirido e ai daquele que ouse suprimir-nos de algum direito.
No entanto, o presente apresenta-se como um enorme desafio. Os mais jovens, sem memória de Abril, não sentem este dia como aqueles que sofreram a ditadura e a ela se opuseram, ou aqueles, como eu, que passei , e ainda passo, todo o tempo a ouvir falar dela. Não sentirão, porventura, a necessidade de o celebrar.
Mais grave, 33 anos volvidos já não é de todo novidade ouvir os mais novos responderem que o 25 de Abril é uma ponte, não lhes dizendo nada nomes como Salgueiro Maia, Otelo Saraiva de Carvalho ou o General Spínola.
Temos, com isto, a existência de um facto que poderá representar algum perigo na perpetuação da data e de como queremos que seja lembrada.
Ainda há bem pouco tempo, Oliveira Salazar saiu vitorioso de um concurso, salvaguardando o facto do mesmo não ter qualquer rigor histórico servindo apenas de entretenimento, que pretendia nomear o maior português de sempre.
Com isto, permitam-me, damos uma imagem aos menos atentos e aos menos informados, que, afinal, o 25 de Abril foi um erro, se com ele depusemos um regime do qual o maior português foi pai.
Jovens sem a mínima noção do que foi o 25 de Abril poderão sentir-se induzidos a fazer essa associação perfeitamente disparatada.
Ora, não serão estes, certamente, os meios mais correctos de educarmos civicamente as gerações vindouras, ou serão.
Se a isto somarmos as falhas do nosso sistema de ensino, poderemos prever um aumento da desinformação e do alheamento dos mais novos.
Mais, assistimos também recentemente a um aumento assustador do protagonismo dado a um campo da política que se identifica com a ideologia do Estado Novo.
Até então inexistentes, ou não activos, registamos subitamente um ressurgimento que tem tido eco em todos os órgãos de comunicação social, eco esse muito superior ao que se poderia esperar tendo em conta a expressão que possuem junto do eleitorado.
Existe, felizmente, um esforço por mudar o rumo dos acontecimentos que acaba de ser realizado. Registo, com agrado, a assinatura na passada segunda feira de um protocolo entre o Ministério da Educação, a Associação 25 de Abril e a Associação de Professores de História, com o objectivo de estimular o ensino de factos relacionados com o 25 de Abril e o Estado Novo, matérias que têm vindo a ser esquecidas dos programas escolares.
Cada um de nós tem também a obrigação patriótica de não deixar passar a memória da revolução dos cravos!
Porque o 25 de Abril é SEMPRE!
Viva o 25 de Abril!
Viva a Liberdade!
Viva Portugal!