quinta-feira, 28 de junho de 2007

Intervenção do Primeiro-Ministro na apresentação do Programa da Presidência Portuguesa da União Europeia à Assembleia da República


Senhor PresidenteSenhoras e Senhores Deputados
1. Uma Presidência para uma Europa mais forte
É já a partir do próximo domingo que Portugal assume a presidência da União Europeia. Esta é a ocasião para Portugal reafirmar aquele que é o seu compromisso firme com o projecto de construção europeia.
Sabemos bem que os interesses de Portugal se jogam na construção da Europa. Pertenço a uma geração de políticos e de cidadãos que já nasceu com o projecto europeu e que continua a considerá-lo como um dos projectos mais importantes e mais generosos, não apenas para a Europa, mas para o Mundo. Quero, por isso, assumir aqui a ideia-força que orienta a presidência portuguesa da União Europeia: uma Europa mais forte para um Mundo melhor.
Queremos uma Europa que vença os impasses que lhe têm estado a encurtar os passos. Uma Europa que seja capaz de enfrentar os desafios globais e que aproveite as oportunidades destes tempos de mudança. Uma Europa que saiba construir novas pontes de diálogo e que seja uma voz mais presente e mais decisiva num Mundo que precisa de estabilidade, de justiça e de desenvolvimento.
A presidência portuguesa articula-se, por isso, em torno de três eixos fundamentais: a reforma dos Tratados; uma agenda de modernização das economias e das sociedades europeias e o reforço do papel da Europa no Mundo.
2. A reforma dos Tratados
O principal desafio consiste, evidentemente, em retomar o processo de reforma dos Tratados. O acordo alcançado no último Conselho Europeu traduziu-se num mandato claro e preciso como sempre Portugal considerou necessário.
Por isso, decidi convocar a Conferência Intergovernamental, que terá o seu início no próximo dia 23 de Julho, à margem do Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros da União. O nosso objectivo é claro: não perder a dinâmica do acordo alcançado em Bruxelas e aprovar o mais depressa possível um novo Tratado para a União Europeia.
O mandato adoptado pelo Conselho Europeu introduz uma mudança muito relevante: a natureza do Tratado que será objecto de negociação mudou. Com efeito, abandonou-se a perspectiva de adoptar um Tratado Constitucional e retoma-se a tradição das emendas aos Tratados existentes. O novo Tratado será, pois, mais um Tratado internacional, sem natureza constitucional e sem pretender substituir em bloco os Tratados em vigor.
Por outro lado, o mandato permite preservar o equilíbrio institucional anteriormente acordado, alterando apenas a data da entrada em vigor da denominada dupla ponderação dos votos no Conselho (que fica protelada para 2014, com um período de transição até 2017). A este equilíbrio acresce um reforço das condições de aplicação de denominado «Compromisso de Ioannina», de modo a melhor salvaguardar a posição de minorias expressivas nas votações no Conselho de Ministros.
Nos termos do mandato conferido é também abolida a estrutura de pilares da União Europeia, consagrando-se uma personalidade jurídica única, naquilo que é uma simplificação assinalável.
Sem embargo, persistem processos de decisão próprios em matéria de Política Externa e de Segurança Comum; recupera-se, integralmente, o mecanismo da cooperação estruturada em matéria de Defesa, e confia-se ao Alto Representante da União para a Política Externa e de Segurança (já não Ministro dos Negócios Estrangeiros) a condição de Vice-Presidente da Comissão Europeia e a responsabilidade de presidir ao Conselho de Ministros das Relações Externas.
No plano da cidadania europeia, o mandato adoptado preserva o reconhecimento do valor jurídico da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, com a excepção atinente à sua aplicação jurisdicional no Reino Unido. E não é demais salientar que adoptar uma Declaração de Direitos Fundamentais com tal valor jurídico e que coloca em pé de igualdade os direitos civis e políticos e os direitos económicos, sociais e culturais, corresponde não apenas a um reforço da base da cidadania europeia mas também à afirmação dos nossos valores civilizacionais, comuns à identidade de todos os europeus.
Mas quero salientar uma inovação importante deste mandato: o reforço do papel dos Parlamentos Nacionais no controlo do respeito pelo princípio da subsidiariedade por parte das instituições europeias. Trata-se de um mecanismo de natureza preventiva que prevê que quando metade dos Parlamentos Nacionais suscitarem objecções a uma iniciativa da Comissão com fundamento na violação do princípio da subsidiariedade, tal obrigará o Conselho e o Parlamento Europeu a expressamente deliberarem sobre a manutenção dessa proposta ou sobre a sua retirada. Os Parlamentos nacionais sairão reforçados do tratado que vamos preparar.
Senhor PresidenteSenhoras e Senhores Deputados
Um mandato não é um Tratado. Com este mandato a Europa escolheu o caminho. Mas falta percorrê-lo. O que temos pela frente é um trabalho exigente, intenso e complexo. Cabe-nos acabar esta tarefa. E não tenho ilusões: haverá sempre necessidade de negociação e de concertação – e devemos estar preparados para os problemas que podem surgir e que tantas vezes se manifestam na recta final dos processos negociais. Mas partimos com confiança. Estamos preparados para conduzir os trabalhos da Conferência Intergovernamental de modo a obter um novo Tratado para a Europa, à altura dos novos tempos.
3. Uma Agenda de modernização da economia e da sociedade europeia
Mas a reforma dos Tratados é apenas uma parte, embora uma parte importante, da nossa tarefa. A Europa precisa de investir mais numa agenda de modernização. A «Estratégia de Lisboa» estará, de novo, no centro das nossas preocupações. O que vamos fazer é contribuir activamente para um novo ciclo da Agenda de Lisboa, que será aprovado na Primavera de 2008, durante a presidência Eslovena. Mas prepararemos esse novo ciclo mantendo o equilíbrio entre as três componentes daquela Agenda: a económica, a social e a ambiental.
Por outro lado, lançaremos o debate sobre um plano de acção tecnológico em matéria de energia, com especial destaque para a eficiência energética, e sublinharemos o papel dos bio-combustíveis, muito em especial no quadro da relação que pretendemos aprofundar entre a União Europeia e o Brasil. Do mesmo modo, prosseguiremos a preparação da posição da União na conferência destinada a debater o quadro de referência pós-Quioto.
Colocaremos ainda na agenda europeia o tema da escassez de água e das situações de seca e relançaremos o debate para a construção das bases para uma efectiva política marítima europeia.
Queremos, também, dar à dimensão social da «Estratégia de Lisboa» a relevância e a visibilidade que merece. Agora que passam dez anos sobre o lançamento da «Estratégia Europeia do Emprego», é tempo de promover o debate sobre as melhores formas de coordenação das políticas de emprego, tendo em vista potenciar a criação de postos de trabalho sustentáveis no actual quadro de competição global. Esta linha de acção da presidência portuguesa será estreitamente articulada com a qualificação dos recursos humanos, a conciliação do trabalho com a vida familiar, a luta contra a pobreza e, ainda, com o debate sobre a denominada «flexigurança», que está na agenda europeia. Este debate deverá nortear-se pela procura de soluções integradas e equilibradas, buscando tradução prática em princípios gerais e comuns a nível europeu, que tenham em conta a diversidade das realidades sociais nos diferentes Estados-membros da União.
O reforço da cooperação policial e judiciária na luta contra o terrorismo e a criminalidade organizada estará também na nossa agenda. Mas as exigências de segurança não podem desvirtuar a natureza aberta e tolerante das nossas sociedades. Foi Portugal que propôs, e foi uma empresa portuguesa que concebeu, a solução tecnológica (SIS-One4All) para que os novos Estados-membros possam aderir plenamente ao espaço Schengen e para que as fronteiras com esses países possam desaparecer no final da presidência portuguesa, cumprindo, assim, um dos maiores anseios europeus, que é a livre circulação das pessoas.
4. O reforço do papel da Europa no Mundo
Senhor PresidenteSenhoras e Senhores Deputados
O actual momento internacional impõe especiais responsabilidades à União Europeia. A Europa precisa de ter um protagonismo mais activo na cena internacional.
Neste segundo semestre de 2007 convergem decisões inadiáveis sobre questões delicadas da agenda global (futuro do Kosovo; dossier nuclear do Irão; crise humanitária no Darfur…) com um conjunto de Cimeiras bilaterais particularmente relevantes: Índia, China, Rússia e Ucrânia. O relacionamento com os Estados Unidos será também objecto de acompanhamento empenhado no quadro da relevância estratégica da relação transatlântica.
Mas há três iniciativas no domínio da política externa europeia em que a presidência portuguesa quer deixar a sua marca: a Cimeira com o Brasil, as conferências Euromediterrânicas e a Cimeira com África.
Por opção portuguesa, a nossa presidência começará com uma nova cimeira da União: a cimeira com o Brasil. Esta será, seguramente, uma marca muito impressiva que deixaremos na política externa da União e que dará coerência ao relacionamento da Europa com as potências económicas emergentes. A Europa já tem cimeiras anuais com a China, com a Índia e com a Rússia. Passará, a partir de agora, a partir da presidência portuguesa, a ter cimeiras também com o Brasil. Com esta iniciativa, Portugal dá o seu contributo específico para enriquecer a política externa europeia, promovendo um relacionamento formal mutuamente benéfico para o Brasil e para a Europa.
As Conferências Euromed, por seu turno, inserem-se na prioridade que decidimos atribuir à cooperação com o Sul, no quadro do Processo de Barcelona e da Nova Política de Vizinhança, e sublinham o valor que atribuímos ao relançamento de um debate político de fundo com os nossos parceiros da orla sul do Mediterrâneo, em particular nos domínios do desenvolvimento e das migrações.
Quero, finalmente, sublinhar aquela que será uma iniciativa maior da nossa presidência: Portugal propõe-se realizar em Dezembro a segunda Cimeira entre a União Europeia e a África. Há sete anos que a Europa não tem um diálogo institucional estruturado com África – o que é uma lacuna incompreensível na política externa europeia. Se há País que não se pode resignar a esta situação e que tudo fará para a ultrapassar, esse País é Portugal. Já estivemos na base da primeira e última Cimeira, no Cairo, em 2000 e queremos estar, de novo, na base de uma nova parceria estratégica entre a Europa e África, tendo em vista os objectivos do desenvolvimento sustentável, da paz, do combate às doenças endémicas e de uma gestão equilibrada e mutuamente vantajosa dos fluxos migratórios.
5. Construir consensos para fazer avançar o projecto europeu
Senhor PresidenteSenhoras e Senhores Deputados
Temos consciência de que assumimos a presidência num momento delicado da conjuntura internacional e que estamos perante impasses e bloqueamentos que há demasiado tempo persistem na Europa. Esta presidência vai exigir da nossa parte rigor, profissionalismo e disciplina. As presidências, por si sós, não resolvem todos os problemas, mas podem fazer a diferença - se assumirem objectivos claros, humildade na forma de os prosseguir e vontade de enfrentar os problemas, promovendo os indispensáveis consensos entre todos os Estados-membros para fazer avançar o projecto europeu.
Essa é a nossa firme intenção. Manteremos um relacionamento permanente com o Parlamento Europeu e contamos com a colaboração estreita da Comissão e, em especial, do seu presidente, Durão Barroso. Poderemos contar, também, com o apoio do Alto Representante para a Política Externa, Javier Solana. E não duvido da vontade e do empenhamento de todos os nossos parceiros europeus.
Confio, sobretudo, na qualidade e no profissionalismo da nossa diplomacia e de todos os técnicos que, aos diversos níveis, assumirão as responsabilidades da presidência. E, sobretudo, sei que posso contar com o apoio dos portugueses, para quem o projecto europeu sempre representou um objectivo político maior, assente num largo consenso nacional.